A estória que vou contar podia ter muitos fins, podia ter muitas soluções, podia agora nem existir, mas vou limitar-me a contar o que aconteceu.
Era Sábado, dia de compras e mercado, dia em que todos se cruzavam e em que os sorrisos eram partilhados. Mas naquele Sábado fomos acordados com uma notícia terrível: a mãe da minha amiga S. tinha morrido.
A S. era a filha mais velha, havia ainda uma menina mais nova. Eu e a S. andávamos juntas na escola e no ballet e brincávamos juntas, corríamos juntas, chorávamos juntas. Ainda éramos crianças, ainda tínhamos sonhos como todas as crianças, ainda gostávamos de construir castelos e brincar às princesas.
O Pai da S. trabalhava no estrangeiro. Vinha muito raramente a Portugal e quando vinha não se via ninguém naquela casa, era um homem distante a quem a S. aprendeu a respeitar. Tinha estado em Portugal pouco antes da mãe da minha amiga morrer.
A mãe da S. trabalhava numa fábrica de componentes eléctricos aqui da zona. Criava, sozinha, duas filhas. Não havia fartura naquela casa, mas havia amor daquela mãe. Do pai havia apenas a figura austera, um medo inconsequente. A S. não gostava de falar dele nas nossas brincadeiras, a S. não gostava de estar em casa quando o pai estava em Portugal.
Mas naquele Sábado algo de muito triste tinha acontecido. A mãe da minha amiga morreu. Tinha ficado grávida pela terceira vez naquelas semanas em que o marido esteve em Portugal. Não tinha ninguém que lhe pudesse dar a mão, estava sozinha com duas crianças pequenas e sem condições para educar mais um.
A mãe da S. fez um aborto. Diz-se que foi a uma mulher que deu umas ervas e lhe fez umas mezinhas. Deu entrada no Hospital poucas horas depois a esvair-se em sangue. Não resistiu às infecções sucessivas e deixou duas filhas pequenas entregues a estranhos.
Naquele Sábado, ia na rua de mão dada com a minha mãe quando me cruzei com a minha amiga S. Apeteceu-me correr para ela e dizer-lhe que estava ao seu lado, mas a pessoa-adulta que estava com ela fez-nos sinal para não falarmos.
A mãe da S., mesmo depois de morta continuava a ser julgada e aquelas crianças foram sempre as filhas daquela mulher, as filhas do sangue daquela mulher. Foram afastadas à força dos seus amigos, da escola, foram privadas do amor-de-mãe e obrigadas a crescer sob o estigma da mulher que abortou.
Vale a pena pensar se queremos que estórias destas continuem a acontecer.
14 comentários:
Acho que VALE mesmo a pena Todos pensarmos nisso!
Agradeço a visita.
bj
Gui
coisasdagaveta.blogs.sapo.pt
Joana, li-te e imaginei
doeu!
dói ainda
e é para pensar
abraço-te como sempre, com carinho
beijinhos
lena
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Beijo Abraço e bom fim-de-semana
..................
Bom Domingo
por aqui soalheiro
Beijo...... Abraço........
Não eu não quero...
Por este motivo hoje sim!!!
Beijos do fundo da Minha Alma
Beijos
Alma Minha
Represálias sócio-culturais… Uma forma de egotismo estóico, também retrato fiel dos fracos. Incontornavelmente, figuras solitárias que arrastam com elas inocentes desprotegidos, vulneráveis de juízos… com que propósito?... Cinicamente, a necessidade de não estarem sozinhos, é gritante e lacrimejante…
A imagem é marcante. Gostei.
Boa semana
afonsobastos.blogspot.com
Joana vim reler, continua a doer
eu ando meia afastada, mas também não te sinto aqui
volta logo
abraço-te sempre com grande carinho
beijinhos
lena
Boas.
Estás interessada numa troca de Link's?
Meu blog:
http://criticar.wordpress.com
Enfim!
P.S. A foto está muito boa.
Na noite tudo se perde nos labirintos do silêncio...mas é na noite que acontece a magia, a dança da paixão da eterna maresia...
Mágica noite
Doce beijo
Esta noite, o luar
é um corpo branco de mulher
no azul do ar,
reclinado,
roçando a fronte do poeta
eternamente dos céus enamorado.
Mas eu sou teu Amigo,
companheiro de
longas caminhadas.
Amigo
que não esquece a estrada,
porque ela é
uma doença romântica,
um assunto do coração,
uma metáfora da vida.
Anda, vem caminhar comigo
indiferente
a esta mais longa e
violenta caminhada,
porque terás sempre
a minha
SOLIDARIEDADE
*
Vem comigo, então, ao
http://lusoprosecontras.blogspot.com
Olá.
Andei por aqui.
Fica bem.
Manuel
lendo e relendo a história, acaba por doer sempre.
bjos.
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