segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Escrita misteriosa

© Reservam-se os direitos da imagem ao autor ZEKARLOS.

Ela chegava ao café cedo. Sempre muito cedo. Sentava-se sempre na mesma mesa, quando estava vaga. E o ritual repetia-se. Bebia o café pausadamente, pegava no seu caderno de capa dura e começava a escrever. Ficava completamente absorvida. Por momentos esquecia o sítio onde estava. Mergulhava de cabeça e demorava a vir à tona.
Eu, sempre mais prático, chegava com ar descontraído, e sentava-me na mesa atrás. Às vezes chegava eu primeiro e brincava, sentando-me na mesa dela. Quando não me restava outra saída, sentava-me na mesa da frente. Mas ficava incomodado. Não conseguia observá-la. Era ela que me controlava os gestos.
Os nossos olhares cruzaram-se pela primeira vez, meses depois deste ritual. O olhar doce e triste fez-me arrepiar. Tremi. As mãos suaram. Desviei os olhos.
Passou a sorrir quando eu chegava. Era linda e misteriosa. Não era uma beleza estática, não era uma beleza comum. Era bonita pelas expressões que fazia, pelo sorriso jovial e um toque de rebeldia estampado no sorriso.
Nunca consegui perceber o que escrevia. Talvez poemas, talvez um diário. Havia dias em que chorava enquanto escrevia. As lágrimas seguiam-se e perdiam-se por entre as palavras escritas. Havia dias que desenhava também. E pintava com as borras do café.
Linda e misteriosa.
Sentia-lhe o cheiro quando alguém passava e fazia com que houvesse deslocação de ar. A brisa dela voava até mim e deixa-me preso naquele instante.
Às vezes trazia visitas. Eram pessoas diferentes. Nunca as mesmas. Uma ou outra amiga repetia o ritual. Mas nenhuma trazia aquele ar limpo e transbordante de mistério.
Perdi-a meses depois. Trazia um envelope na mão. Não escreveu. Demorou pouco. Tomou o café e levantou-se.
Por momentos pensei que o envelope era para mim. Mas não. O telemóvel dela tocou. Ouvi-lhe a voz mas não percebia as palavras. Estava nervosa.
Foi embora. Nunca mais a vi.
Não sei o seu nome. Mas ainda sinto o seu perfume. Sei de memória como caminha, como pega na chávena de café. As unhas roídas. As mãos sempre frias (podia sentir o frio pelo tom da sua pele).
Imaginei nomes durante semanas. Esperei durante meses. Ela não voltou. Perguntei ao empregado do café pela jovem que escrevia, mas ninguém sabia.
Havia um casal de velhos que costumava falar com ela. Seguravam-lhe na mão e despediam-se todos os dias com sorrisos e palavras bonitas. Perguntei pela menina que escrevia. Nada.
Espero por ti na mesma mesa de café. Talvez um dia voltes. Ou talvez te encontre sentada numa outra mesa.

20 comentários:

mixtu disse...

Me a gustado mucho la historia, estoy esperando la continuación. Como usted a sabido de la historia, eres dentista e también trabaja no café?
Usted seres una mujer de 7 oficios.
Lastima el idioma, ciertamente a perdido algo.
Los viejos son los padres de usted?
Muy bonito, que los tengas por muchos años, también trabajan no café? Son los propietarios? Es cierto que tienen de dar lo ejemplo.
Sabes, vuestro idioma es mui hermoso

antónio paiva disse...

......a vida é assim mesmo, umas vezes muda-se de café, outras vezes avida muda completamente.....

Joana disse...

ESTOU AQUI!!!

Rui Oliveira disse...

Foi uma oportunidade perdida!

Gosto muito de contos com finais infelizes... fazem-nos pensar!

Se continuar assim vou voltar mais vezes!

Anónimo disse...

Adorei este teu conto.
Esse espanhol não percebeu bem a história.

Joana disse...

Quero deixar aqui uma mensagem importante:
Não confundir a realidade com a ficção - resulta mesmo mal!!!

Sensual,
Ele vai deixar de ir ao café. Encontrou-a a trabalhar na Rádio Popular e ela nem 1 sorriso [não há coração que resita] - mudou de café. Agora não olha para as vizinhas e só bebe finos!

Mixtu,
Yo soy loca.
Mariposa es volvido!
El idioma es mui malo.
[EXCUSA]

chuvamiuda,
mais vale mudar de café do que mudar de vida. E tudo por causa de alguém que escreve...isto parece coisa de blogue ;)

Rui,
vou tentar ser dramática nas próximas estórias...mas sem ser melada [andam para ai uns fulanos a queixar-se!]

J.C.,
Muito obrigada por não me abandonares. Tenho andado cega!

marCOX disse...

em tabernas não ha nada disto! hehe
gostei!

Rosmaninho disse...

Às vezes há que mudar de café para se dar continuidade a algo que começou... não me parece que isto tenha acontecido a esta jovem da história que roía as unhas, que tinha olhar doce e triste, que chorava e que tinha amigas que não traziam aspecto limpo... Se o telemóvel tocou e ela ficou nervosa... algo de menos bom aconteceu para não mais ter sido vista.

Aguardo mais um capítulo... gostaria de saber o que está a acontecer à menina que gostava de escrever, desenhar e pintar no café.

saltapocinhas disse...

olá Joana! Finalmente um tempinho para passar por aqui. Ainda não li muito, vou agora dar por aí uma volta!

Anónimo disse...

sem mais palavras...

"Parava no café quando eu lá estava
Na voz tinha o talento dos pedintes
Entre um cigarro e outro lá cravava
a bica, ao melhor dos seus ouvintes

As mãos e o olhar da mesma cor
Cinzenta como a roupa que trazia
Num gesto que podia ser de amor
Sorria, e ao sorrir agradecia

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem recordar
A Terra gira ao contrário
E os rios correm para o mar

Um dia numa sala do quarteto
Passou um filme lá do hospital
Onde o esquecido filmado no gueto
Entrava como artista principal

Compramos a entrada p'ra sessão
Pra ver tal personagem no écran
O rosto maltratado era a razão
De ele não aparecer pela manhã

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem recordar
A Terra gira ao contrário
E os rios correm para o mar

Mudamos muita vez de calendário
Como o café mudou de freguesia
Deixamos de tributo a quem lá pára
Um louco a fazer-lhe companhia

E sempre a mesma posse o mesmo olhar
De quem não mede os dias que vagueam
Sentado la continua a cravar
Beijinhos as meninas que passeiam.

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem recordar
A Terra gira ao contrário
E os rios correm para o mar"

Beijocas

rules disse...

Gostei... :)

Bird disse...

Joaninha como eu gosto de te ler...

E como gosto que te leiam... :)
Lembras-te o que te disse ao início?

Ah pois é... vês como o mundo brilha dentro de ti?

Beijo muiiiitoooo grande

Joana disse...

Sensual e Rosmaninho,
Já tive noticias da menina. Em breve prometo contar! Preparem-se para o choque!

Marcox e Rules,
bem vindos, ainda bem que gostaram!

Saltapocinhas,
Espero que tenhas gostado da voltinha por aqui!

Patrick,
Obrigada...Ala dos Namorados! hummm...bom gosto! Qualquer dia também vos deixo aqui 1 deles! ;)

m&a,
estou a ver que gostas de cerveja...a mexicana é uma maravilha! :)

Nuno,
andas perto...muito perto! :)

Joana disse...

Florinda,
tu foste a primeira a descobrir-me!
tu foste a primeira a ler-me!
tu és a minha nr1!

OBRIGADA! Beijo muito grande...

Rosmaninho disse...

Joana
Será que o "Profeta do Virtual" está guardando bem o teu céu de cor azul? Parece-me que andas " preocupada" com este céu e a inspiração para o 2º capítulo da "Escrita Misteriosa" não chega... Ou será que está a sair da forja? Vá lá... diz qualquer coisa.;)
Um beijo

Canephora disse...

Os cafés... esse local de risos e de choros... enfim de vida!

No café se descobrem estórias, comentam-se vidas, traçam-se planos...
é no café que aprendemos, de conhecenos, que partilhamos...
Sempre haverá uma mesa vaga, sempre haverá um novo lugar ocupado... sempre haverá quem escreva com lágrimas e quem as seque para a seguir ler.

Gostei muito deste também...
Acho que ainda me vou demorar um pouco mais.

Anónimo disse...

Very nice site!
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Anónimo disse...

Well done!
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Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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