quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

O Vazio

Às vezes sinto-me encurralada em mim mesma. Os meus sonhos apertam-me contra o vazio em que me transformo. O frio recebe-me de braços abertos. Não tenho casa, não tenho o ninho de outrora. Não tenho o sorriso que me aconchega. Não tenho a declaração do tempo feliz, aquele que sempre disseste ser meu.
Às vezes a minha vida enche-se de pessoas e coisas e cheiros e cores, outras vezes esvazia-se, fica apenas o silêncio, a tortura, a angústia.
É nessa altura que começo a esgravatar, como os cães quando escondem os ossos debaixo de terra para quando não tiverem fartura, só que eu nem sempre encontro os ossos que enterro em tempos de fartura.
Leite quente, morno, nem frio nem a ferver para restabelecer o ânimo.
Não sei porque estou assim, afinal os ciclos repetem-se. Nada morre, multiplica-se, regenera-se e renasce. Pelo menos tem sido assim comigo. Existe sempre um caminho paralelo, nem que seja estreito e em terra batida, mas existe, basta olhar bem e perceber que é uma alternativa.
O meu sorriso não tem sido sincero comigo. Ando triste comigo. Desiludi-me. Não consegui corresponder aos meus ideais e pior do que me desiludir com a vida, com o país, com o Mundo, com os outros, o pior é quando nos desiludimos a nós próprios.
Tento encontrar o cruzamento onde perdi o meu rumo…talvez nem tenha sido num cruzamento, fui talvez longe demais e perdi o destino certo.
Às vezes tenho a sensação que nunca serei feliz com o que tenho. Porque sonho, porque penso, porque a minha cabeça funciona mais rápido do que o meu corpo e não consigo acompanhá-la. Perco-me nas circunstâncias da vida e já nem sei o que me faz estar feliz.
Por vezes faço esperas ao próprio destino, como os gatos, que esperam pacientes e atiram-se açanhados e de garras de fora. Mostro ao destino que não é ele que manda. Não há nada pior do que se dizer que a história só pode ser uma. A história é o que nós quisermos que ela seja.
Carrego na intensidade das lágrimas. Os cafés são uma companhia, mais do que um vício. De fundo Bessie Smith, uma doçura encantada, ou talvez uma tortura por não me encontrar.
Não sei o que me impele a sorrir. Não sei o que me paralisa. Não sei porque estou melancolicamente infeliz. Talvez o sentimento de nada poder fazer. O sorriso já não resolve tudo e a inércia tomou conta de mim.
Os retratos multiplicam-se. Choram crianças desconfiadas com a esmola que herdaram do senhor tempo. Que estranho, ele que normalmente não dá nada a ninguém. Dizem que o tempo tudo cura, é mentira, o tempo só faz com que novas tristezas e desilusões nos façam esquecer as antigas e aos poucos lembramos apenas as mais recentes e as outras…ai as outras passam a ser uma ténue recordação.
Mas este vazio que me domina começa a ser perigoso. Não há nada que me satisfaça. Começo a sentir-me perdida, quase morta, talvez sem sentidos. O paladar confunde-se com o cheiro e o tacto perdeu-se nas mãos gélidas. As cores misturam-se transformando o presente numa aguarela deslavada e o futuro é apenas uma tela preta sem significado.
Onde estás pergunto-me e apenas o eco do vazio me responde exactamente com a mesma pergunta. Estarei a ficar louca?

1 comentário:

mixtu disse...

Este texto é lindíssimo, como texto...
...os seus sentimentos... (suspiros)...
...revoltada com o mundo,
com o sol,
com as sombras...
... não há dia nenhum que não se veja o sol...
...ainda há-de vir o dia que vais desejar chuva...