terça-feira, 27 de dezembro de 2005

A Luz da Esperança I

Teresa estava presa há cinco anos, tinha deixado de sonhar, de sorrir, de ter um comportamento normal desde a morte do Luís.
Para ela, o facto de estar presa era um alívio, porque lá fora não ia aguentar a pressão de viver sem ele, sem o seu toque, sem o seu beijo antes de adormecer, sem as suas birras e sem o seu cheiro de bebé.
O Luís era a sua vida e desde o dia em que o telefone tocou e do outro lado, uma empregada do Hospital lhe informava de forma fria o óbito do seu próprio filho que Teresa se tinha recusado a viver. Depois disso veio a revolta, o confronto com a verdade mais cruel. Não se perdoava, como mãe devia ter percebido que algo se passava, mesmo agora passados estes anos, Teresa não se perdoava.
Era dia de visita. Todas as reclusas se preparavam para momentos de alegria e Teresa entregava-se a um sofrimento ainda maior, o de ver a sua mãe lavada em lágrimas. De um dia para o outro a família tinha sido desfeita e os momentos de alegria que tinham vivido todos juntos tinham dado lugar ao sofrimento mais atroz.
Não tinha perdido só o filho, Teresa perdeu o filho, o ex-marido e o pai. Os homens que mais tinha amado na sua vida. Os homens por quem tinha dedicado a sua vida e a sua felicidade. O filho e o ex-marido viviam agora num mundo diferente do seu, o pai tinha-se afastado de uma forma irremediável, não tinha conseguido perceber, perdoar, ou talvez estivesse apenas revoltado por não ter sido ele a tomar a atitude da filha.
Estávamos no Natal de 2000 e Teresa ia passar pela primeira vez o Natal sem o Luís. Estava desolada, tinha tentado chegar a um acordo com o João que se tinha mostrado irredutível. O Luís chorava abraçado à mãe enquanto esperava que o pai o viesse buscar e dizia:

- Mãe, por favor não deixes. Não deixes o pai levar-me.

Era a primeira vez que o Luís se mostrava tão triste por estar com o pai, desde o divórcio e algo lhe dizia que devia proteger o seu filho, mas tinha sido ordem do juiz e não podia mudar as regras do jogo.
O João chegou, viu o filho a chorar e não se mostrou em nada sensibilizado, pelo contrário, olhou de forma comprometedora para o Luís que parou imediatamente de chorar, agarrou na mochila, deu um abraço forte à mãe e disse-lhe ao ouvido:

- Desculpa mãe. Não fiques triste comigo, eu sei que tenho de ir. Gosto muito de ti!

Sempre que se lembrava disto Teresa não conseguia já sentir qualquer tipo de raiva pelo João, mas sim por si própria. Como é possível não ter percebido nada…NADA!
A noite do dia 24 passou de forma incrivelmente silenciosa. Faltavam os gritos do Luís, o sorriso do Luís, as brincadeiras do Luís. Faltava a ansiedade pelo Pai Natal, o barulho do papel a rasgar-se e o ar emocionado que o Luís demonstrava sempre que abria um novo presente.
E no dia 25 antes do almoço a notícia tinha caído como uma bomba, o Luís estava morto.

- O quê? – Perguntava Teresa – Como é possível, o meu filho está a passar o Natal com o pai.

E do outro lado a frieza mantinha-se:

- Luís Onofre Sampaio é seu filho?

- Sim, o meu filho tem esse nome.

- Então tenho de confirmar o óbito do seu filho.

O João tinha desaparecido e não atendia o telemóvel. Família e amigos estavam em estado de choque e Teresa estava completamente paralisada, o olhar perdido no horizonte, depois de ouvir da boca dos médicos que suspeitavam de maus tratos e abusos sexuais e pior ainda depois de ver o corpo do pequeno Luís completamente desfigurado. A autópsia confirmou. A sucessão de informação aterradora deixavam Teresa numa revolta sem fim.
Tinha casado com o João por Amor, um Amor puro e sentido. Viveram cinco anos juntos, depois do nascimento do Luís, o comportamento do João transformava-se de dia para dia e ao fim de dois longos anos tinham optado pelo divórcio.
Tinha-se passado pouco mais de um ano, Teresa continuava a amar o João mesmo sabendo que não poderiam mais entender-se, mas nunca quis privar o Luís da companhia do pai e julgava que pelo menos esse papel o João desempenhava com perfeição. Mas agora tudo fazia sentido. O Luís andava a ser maltratado e ameaçado pelo pai nas suas visitas de fim-de-semana, andava tão assustado que não contou nada à mãe. Mas o seu comportamento também estava diferente, andava mais meigo, mais carente, pedia frequentemente a Teresa que o abraçasse, perguntava-lhe se ela gostava dele. Brincava sozinho no infantário, não queria ir ao shopping, nem às compras com a mãe, só aceitava ir ao Parque da Cidade dar pão aos patinhos.
Tudo isto tinha começado a surgir nos últimos meses e Teresa pensou que era uma reacção ao divórcio, que no fundo Luís estava a sentir o afastamento do pai e da mãe, mas não, algo de mais grave se estava a passar.
No dia que João foi buscar o Luís para passar o Natal e o viu a chorar pensou que este tinha contado à mãe o que se tinha passado, por isso nesse dia à noite em vez de alegria e prendas, Luís teve muito sofrimento. Depois de ter sido vítima de abusos sexuais pelo próprio pai, foi ainda maltratado até entrar em coma. Foi o próprio João que o levou ao hospital e desapareceu na penumbra.
Teresa não conseguiu pensar em mais nada a partir desse dia a não ser vingar o seu filho e o sofrimento que este tinha passado.
A polícia nada de novo acrescentava às investigações e o João continuava “a monte” a viver a sua própria vida. Teresa dedicou os seus dias a procurá-lo, percorreu todos os lugares possíveis e impossíveis, inscreveu-se num clube de tiro, comprou uma arma, treinou a pontaria e o disparo. Meses depois encontrou o João numa casa de praia isolada perto de Esposende.
Seguiu-lhe os passos, montou um plano e um dia quando João entrou em casa, Margarida estava à espera dele. Depois de o espancar violentamente disparou um tiro à queima-roupa e deixou-o morrer lentamente.
Estava a pagar por esse crime, mas para Teresa não tinha sido um crime, tinha sido apenas um ajuste de contas, afinal o Luís tinha sofrido demais para um menino de apenas três anos.

(continua…)

4 comentários:

Joana disse...

Bem...já que ninguém deixa comentário, vou eu própria estrear-me nesta missão.
Não é nada difícil sabem, basta escolher 1 identidade, até pode ser anónimo (que não precisam de se registar), escrevem qualquer coisa, repito, QUALQUER COISA (assim tipo, gostei, não gostei, podias dedicar-te a plantar batatas, sei lá, qualquer coisinha!) e assinam (se quiserem!).
Acham complicado? Ou não têm tido paciência para ler?
Pois é, o velho hábito dos Portugueses...a preguiça não é um pecado capital? Então pelo menos por isso, está bem, devo andar a escrever para pessoas nada católicas! :)

Voltem sempre, mesmo que não comentem!

mixtu disse...

...comentei no seguinte... :)

Alma Minha disse...

Joana:
Primewiro que tudo obrigado pela visita...
Quanto ao teu blog... Adorei!
Sabes, eu gosto de ler e gostei de ler as tuas "Estórias da Joana"
prometo voltar...

Anónimo disse...

Best regards from NY!
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